terça-feira, 25 de maio de 2010

Liberalismo a Brasileira

Wellington Nunes*

Historiadores e contemporâneos mostram com clareza -segundo artigo de Raimundo Faoro- o contexto de crise e inquietação que atingia o Brasil colônia já no final do século XVIII. Monopólios e fiscalismo predatório, entre outras medidas do regime colonial, sobrecarregavam os produtores inviabilizando a produção de açúcar, ouro, algodão, etc. As idéias revolucionárias ( liberais e separatistas ) que chegavam da França e da América do norte somadas às inquietações da colônia, formaram um cenário conflituoso de onde emanaram protestos, conflitos e conspirações que, inclusive na visão de representantes da corte portuguesa, não eram isolados. “Um ardiloso plano de reação esboçara-se, porém, na imaginação do herdeiro da monarquia ao compreender o perigo iminente da separação, plano que consistiu em conceder à colônia o máximo de franquias econômicas, para garantir o mínimo de cedências políticas”. (Oliveira Lima, 1975, página 228) Para Faoro: o liberalismo entrava na receita, como condescendência, para frustrar a mudança, esta realmente baseada no pensamento liberal.

O autor descreve historicamente o processo de mais de três décadas de conflitos entre duas correntes de pensamento, em que cada uma poderia ter orientado -como orientou- por caminhos diferentes a construção do Estado brasileiro. Uma dessas correntes, o “elemento nacional” buscava substituir a corte portuguesa por um regime republicano aos moldes do realizado pelas, recém-emancipadas, colônias inglesas. A outra denominada “elemento lusitano“, é a reação dos portugueses, através de um liberalismo condescendente, a fim de evitar a emancipação política da colônia brasileira. Essa política de resistência pôde ser realizada por D. João VI e por D. Pedro I, daqui mesmo, com a transferência da corte portuguesa para a colônia.

Faoro coloca o processo de independência do Brasil como uma transação de um nascente liberalismo republicano brasileiro que se desenhava, por um liberalismo deformado, ou antes, uma idéia de liberalismo deformada em sua gênese pelo três séculos de isolamento de Portugal e do “obscurantismo pós-pombalino”, ao qual a revolução de 1820 procurou reagir. Todavia, não há como chegar ao objetivo sem que se percorra antes o caminho. Durante o período em que Portugal permaneceu isolado do mundo, houve uma mudança de mentalidade da qual a nação portuguesa não fez parte. Não há revolução que possa dar cabo desse processo do dia para a noite. Daí, que o liberalismo que se instalou por lá foi a partir do Estado, de cima para baixo. Não houve emancipação política da sociedade como um todo. O que houve foi a concessão de mais algumas liberdades econômicas para algumas classes privilegiadas. Esse foi o liberalismo que foi transplantado pra cá, no processo de transação entre o “elemento nacional” e o “elemento lusitano” a que se refere o autor. E ele arremata: “a organização do regime constitucional brasileiro não é conversível, ao contrário do que entendeu a historiografia brasileira, no liberalismo.

Foi assim que herdamos o “ monstro patrimonial-estamental-autoritário que está vivo na realidade brasileira.” Ou como explicaria Sérgio Buarque de Hollanda: “em verdade o racionalismo excedeu os seus limites quando, ao erigir em regra suprema os conceitos assim arquitetados, separou-os irremediavelmente da vida e criou com eles um sistema lógico, homogêneo, a-histórico. Não é racional imaginar que “ da coerência das leis depende a perfeição dos povos e dos governos.”( Hollanda, página 179) Todo e qualquer conceito ou princípio é interpretado conforme o patrimonialismo e o estamentismo arraigados em nossa formação e aplicados de acordo com esses princípios. Portanto, como demonstra o mesmo Sérgio Buarque, somente obteremos mudanças substanciais se eliminarmos os fundamentos personalistas que estão entranhados em nossa sociedade.

Wellington Nunes – É acadêmico do 3º Período de Ciência Política da Facinter.

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